Jamais cheguei a furar os olhos de um assum preto... Todavia, quando adolescente, cutivei, por algum tempo, o infeliz hobby de criar passarinhos. Parece-me que tudo começou com uma brincadeira, cujo espírito ofuscou a consideração salutar de que os seres da natureza devem ser livres. Suspensas, as gaiolas com os alados cativos enfileiravam-se no teto de minha casa. Tinha encarcerados passarinhos de várias espécies, cada qual com seu canto de tristeza que, misturado uns aos outros, compunham a triste melodia de todos os dias. Eu me orgulhava de os ver cantar, olvidando o crime que estava a cometer contra aqueles desventurados indefesos que se expremiam nos ângulos apertados e soturnos daquelas prisões em miniatura. Não compreendia que, se a Natureza lhes dera asas e ossos pneumáticos, não era para que voassem no espaço diminuto das gaiolas e, sim, no amplo espaço natural. Não compreendia que a Natureza é que era a legítima proprietária daquelas melodias que lhes escapavam do bico e não eu. Já havia adquirido passarinhos até do sul do Ceará e considero, assim, que fui longe dando azo a esse hábito menos feliz. Vins-vins, papa-capins, cabeças-de-bode, curiós, cochichos, periquitos australianos... até um pobre pardal, pássaro que não se cria em gaiola, eu já tive um dia. Mas o ser humano, as vezes, desperta a sua consciência para a compreensão dos valores maiores da vida natural e, um dia, despertei decidido a devolver aos céus todos os passarinhos que, injustamente, mantinha aprisionados até então. Desci com todas as gaiolas do teto. Enfileirei-as no chão e fui abrindo suas portas, uma após a outra. Aturdidos com tanto espaço disponível para o vôo alguns pássaros ficaram. De lá para cá, jamais tornei a aprisionar um animal e me sinto mal quando vejo algum passarinho preso numa gaiola: algo me aperta o coração, parecendo que capto, na órbita do meu sentimento, a extensão da tristeza e da solidão do pássaro cativo.
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