sábado, 11 de julho de 2009

Reminiscências - Parte II

A lua deitava suas claridades opalinas sobre as matas naquela noite fria. Um grande alvoroço se havia formado na Casa Grande. A cabeça do petiz ainda não era capaz de alcançar o entendimento das motivações daquela enorme confusão, em que as agitações dos envolvidos e os seus gritos estrangulavam a serenidade da noite. Via-se no meio daquele tumulto como no olho de um ciclone: absolutamente perdido, entre as voltas que davam em torno dele e que ele dava em torno dos outros, sentindo uma forte incomprrensão diante da sequência daqueles acontecimentos horríveis, que lhe imprimiam uma angústia muito gravosa no mais íntimo do seu ser, agitando-lhe os sentimentos.

De chofre, o eixo daquele turbilhão de desentendimentos deslocou-se para fora da Casa Grande e tomou o rumo de um leito de areia ladeado por matas densas. O pai do petiz, cujo comportamento anormal dava mote a toda aquela situação, parecia incontrolável. Percebia-se inequivocamente a extravasão de seus sentimentos, principalmente a raiva, que mais o assemelhava a um insano, cujas ações denotavam a ausência de pudor e respeito pela presença dos filhos e de algumas outras pessoas que assistiam aquele espetáculo lastimável absortos e quase que sem acreditar naquilo que suas vistas e ouvidos registravam naqueles momentos.

O petiz também tomou o rumo do leito de areia, como que arrastado pela força dos fatos que sucediam naquele transe tormentoso de que era uma das vítimas. Vamos encontrá-lo entre seu pai e sua mãe, que vinham um de encontro ao outro, como que se preparando para um choque cujas consequências seriam imprevisíveis. Virou-se instantaneamente de encontro ao pai, estendendo os braços como um reflexo natural de quem sabe inevitável um choque, na derrdeira tentativa de defender-se e como a comunicar seu desejo desesperado de que o pai cessasse a sua fúria desenbestada. Quando deu por si, o lance já o havia atropelado. Estava ao chão. O rosto colado na areia fria, fria, que contrastava com o ardor que lhe corria na maçã do rosto atingida por um tapa covarde. Não se ergueu logo. Parecia compartilhar com a terra aquela angústia que lhe permeava cada poro da alma já combalida pela dor dos fatos que ali transcorriam amargamente; parecia, descrer que tudo aquilo pudesse estar sucedendo. A areia sorvia as lágrimas que lhe desciam do rosto contraído de medo. Permanecia no chão e dele percebia que pequenas luzes brilhavam na Casa Grande, do pavio das lamparinas que estavam acesas, como as atenções de todos naquela noite.

A partir daquele momento tudo pareceu acalmar-se mais. Voltou para casa sentindo o peso enorme da vida sobre seus ombros infantis.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Reminiscências - Parte I

Aquela pergunta distoou absolutamente dos propósitos do jantar. E não apenas porque trazia na sua vibração toda a intensidade de um questionamento inesperado. Foi feita com coragem, de chofre, olhos nos olhos e comunicava um sentimento de incompreensão com um estado de coisas que poderia ser totalmente diferente. Comunicava também ternura e inocência.
A fisionomia do interlocutor repercutiu todo o espanto provocado pela indagação. Buscava ele um local com os olhos, de soslaio, mas não o encontrava. Ele nunca olhava nos olhos de ninguém nos momentos decisivos. Buscava sempre evadir-se, para não confrontar-se com os problemas mais delicados e substanciais, de sua responsabilidade direta.
- Por que o senhor faz isso com a gente? Balbuciou a criança, movida pelo sentimento de sua causa, a qual compartilhava com sua mãe e seus dois irmãos. A mãe não se encontrava no recinto enquanto os dois irmãos sim e os mesmos pareciam indiferentes àquela pergunta, enquanto estavam à mesa. O jovem senhor não soube e nem pôde responder. Houvera sido impactado, nunca supunha que seu filho varão fosse lhe surpreender ali, naquela noite, acomodado diante daquela mesa como tantas outras vezes havia acontecido.
Sua resposta foi o silêncio, mas um silêncio conturbado, como se evidenciava na sua inquietude indisfarcável, manifesta em seus olhos intranquilos nas órbitas e em cada músculo palpitante do seu rosto, que empalidecera. O garoto não era capaz de imaginar que o silêncio que obtivera como resposta à sua pergunta iria simbolizar o primeiros de muitos, que marcaria o modo de agir de seu pai durante muitos anos.