terça-feira, 11 de março de 2008

Estranho-me

E eu sigo levado pelo tempo, às vezes estranhando esse mundo, como se ele não fosse o meu mundo. Às vezes estranho a minha morfologia, refletida na polida superfície do espelho: nariz, boca, orelhas (que estranha forma!). Ela não tem nada de mais, nem de menos: é como todas as outras morfologias. E não me digam que sou louco. Apenas observo mais acuradamente o comum. Gosto do planeta em que vivo. Gosto também porque é belo. Ontem a tarde, o ceú tingira-se de um azul intenso dourado pelos raios do sol, como poucas vezes já vi. E gosto também do meu corpo. É a vestimenta para a manifestação da minha inteligência. É o porto onde atracam os meus sentidos. O bar onde curto os prazeres das happy hours. A casa onde moram os meus desejos. Vejo os sofrimentos que se desdobram no teatro da Terra: dramas, tragédias e tudo o mais e me comovo com tudo, miséria, fome, desastres naturais, guerras, doenças, injustiças... E o meu corpo, como a Terra, também dói as vezes: a cabeça, as pernas, os braços, o estômago... é matéria perecível, sujeita ao desgaste. E na dor que o corpo sente, a alma se educa. E também se educa com as dores morais. Um dia eu deixo a Terra. Um dia eu deixo o corpo. Ambos ficarão para trás, como alvos onde atiro os dardos de minhas lembranças. Aí, continuarei levado nas asas do tempo, talvez não mais estranhando o meu mundo exterior.

Um comentário:

Adelia Campelo disse...

Poxa querido Hércules, eu que pensei que só eu fosse dada a essas "estranhesas" nem sei te dizer desde quando eu me vejo dessa maneira brilhante dita por você em su texto lindo, na verdade acho que já nasci assim, questionadora de tudo entre o espaço e o tempo. As vezes isso é muito bom, mas em certas ocasiões é tanta profundidade que chega a doer, por que é um teste continuo ter essa visão dos mundos exteriores não?

Saudades. Abraçoss.