Quem só vê defeitos ou só vê virtudes num governo, está fazendo um juízo equivocado da realidade. Trata-se de uma postura apaixonada diante de um tema dos mais relevates dentro do ordenamento social, que é a política. Quando a tendência majoritária for a da racionalidade na administração pública - e não a da paixão, como ora ocorre - ou, como queria Platão, quando os filósofos estiverem no poder, certamente haverá o predomínio das virtudes no governo. Todo governo acerta e erra. E isso não é diferente no Estado do Piauí. Notórias são algumas virtudes do atual governo, como evidentes também são algumas incongruências. Uma delas é a relativa ao modo como o governo encara o cumprimento de decisões emanadas do Poder Judiciário. Há pelo menos duas formas de ação do Executivo quando se trata de dar efetividade aos mandos da Justiça, as quais ostentam como critério basilar o favorecimento dos servidores públicos estaduais. Mas atenção: o que aqui será mencionado doravante não nasce do desejo de criticar apaixonadamente o governo, que tem vícios, mas cujas virtudes reconheço; nasce, antes, da observação imparcial e percuciente da realidade política local, com os fatos que a movimentam. Recententemente, servidores da Secretaria da Saúde, que ingressaram no serviço público sem concurso, os chamados "serviços prestados", acamparam na Secretaria de Administração, como forma de chamar a atenção do Executivo estadual para o seu drama: são pessoas, com bastante tempo de serviço - gente com até 20 anos de trabalho - que, agora, se vêem fora da folha de pagamento do Estado: isso é um eufemismo, para dizer que elas foram demitidas. O que é que essa gente humilde, com minoradas chances de ainda ingressar num mercado de trabalho altamente especializado, vai fazer agora? Vão sobreviver de quê mesmo? A maioria é de arrimos de família e há até pessoas doentes, que precisam do seu parco, mas indispensável salário, para comprar medicação de uso controlado. Dói no imo d'alma quando a gente se depara com casos assim. Mas, em meio ao torvelinho de situações provocadas por esse drama comovente, qual o discurso do governo? "Estamos apenas cumprindo uma ordem judicial". Montesquieu exulta. É o triunfo absoluto da Teoria do Poder Tripartite no estado do Piauí. Dura lex, sede lex. A lei é também fria, um instituto insensível: o bem maior é o triunfo do sagrado estado democrático de direito. Ora, não se pode olvidar que o que é socialmente justo deve preponderar sobre a lei que, algumas vezes, tem de ser obedecida sobre o imperativo de ordens injustas, imorais e desumanas, como é o caso da ordem legal expedida em desfavor dos servidores sem concurso da Secretaria de Saúde do Piauí. No outro lado da moeda estão os mandados judiciais favoráveis aos servidores do Estado, como é o caso daquele expedido pelo Desembargador Luiz Gonzaga Brandão de Carvalho, que manda o governo do Piauí, mais particularmente a Secretária de Administração, Dona Regina Sousa, corrigir o valor das gratificações de adicional noturno e vantagem extra pagas aos policiais civis e agentes penitenciários. É de domínio público a confusão que aconteceu por conta dessa ordem judicial que, por não ser cumprida, obrigou a titular da pasta da Administração no governo do Sr. Wellington Dias, a ocultar a sua localização por algumas horas para poder escapar dos efeitos de um mandado de prisão, enquanto um dos procuradores do estado, às pressas, embarcava num avião rumo à capital federal, em busca de um habeas corpus no STJ. O discurso do governo dessa vez foi: não vamos cumprir a decisão, pois isso coloca em cheque as finanças do nosso estado, inclusive com o comprometimento do pagamento da folha do serviço público estadual. O próprio chefe do Executivo, em algumas entrevistas, chegou a se posicionar assim. Montesquieu se remexe fremitamente no túmulo pois o Sr. Dias, não apenas como cidadão, mas também como primeiro magistrado do estado, deveria dar exemplo e cumprir as ordens emanadas do Judiciário. Dever seu era dar cumprimento as decisões da Justiça, depois que recorrese à instância superior para tentar derrubar a decisão. Mas a sua atitude pode ser interpretada não apenas como desrespeito aos policiais civis e penitenciários, mas também como um flagrante desrespeito a classe dos servidores públicos estaduais e, o que é pior, o mal exemplo do governador mostrou que o Piauí é um estado em que não existe plena segurança jurídica. A tese é esta: quando a decisão da Justiça é contra o servidor, seu cumprimento formal é imediato, já quando é a favor... Até hoje o governador não cumpriu a ordem judicial a favor dos policiais civis e penitenciários, Regina Sousa foi contemplada com um habeas corpus e tudo continua por isso mesmo, sem mudança do status quo. E quem houver que pense que a tese não se sustenta pela insuficiência de demonstrações, que recorde o caso dos professores da rede pública estadual, cujo sindicato perdeu um embate com seus ex-advogados, os quais conseguiram ordem para o pagamento de um montante milionário que seria descontado por longos 12 meses nos combalidos contracheques de todos os funcionários da Secretária da Educação. A postura do governo? Preparou-se para efetuar o desconto que, para o alívio temporário da classe, foi suspenso por decisão do Tribunal de Justiça do Piauí. Bela é a teoria do Barão de Montesquieu: poderes em harmonia. Pena que o governo do Piauí, na contra-mão do pensamento iluminista, em pleno século XXI, arvore sua conduta na tese incongruente da "execução relativa".