Não saberia explicar, até mesmo porque nunca vi e, se a visse, ainda assim grande seria a possibilidade de não explicar. Apesar de que um dia, ainda criança, afoitado, debandei, no crepúsculo, a linha do trem, que navalhava, de uma ponta à outra, as terras do meu avô materno. Fiquei até um pouco depois do anoitecer e regressei à casa de vovô cabisbaixo de medo, com os olhos enfiados no chão e nos pés. Ainda era deveras cedo. Num horário como aquele, a luz ainda não houvera partido para percorrer, misteriosa, o mesmo leito do trem. As pessoas do lugar é que propalavam essa informação: a de que todas as noites, a partir de um determinado horário, uma estranha luz, supensa no ar, em forma de bola, acompanhava lentamente a linha férrea. Eu queria ter visto a luz da linha, mas não sabia que, criança, não tinha coragem pra isso. Teria a graça de uma borboleta bailando no ar? Qual seria sua verdadeira dimensão? Como era afinal de contas essa tal "luz" que eu perseguia com a imaginação, mas que se afastava de mim a cada nova interrogação sobre a sua natureza? Até hoje o mistério está posto, palpitando em mim. Do terreiro frontal de suas casas - casas antigas da RFFSA, hoje inexistentes - a gente do lugar suspendia as conversas regadas à café para assistir à passagem dela, uma passagem que me disseram lenta e impertubável, até que se perdia das vistas no horizonte. Vez certa disseram que quando alguém demandava a sua mesma direção, só que em sentido contrário, quando perpassavam a luz, nada viam, simplesmente a atravessavam e, quando voltavam o olhar para trás, lá ia ela, flutuando graciosamente no ar, seguindo seu destino tão ignorado quanto sua origem. Noticiou-se que à epoca da construção da ferrovia, muitos operários perdereram a vida na obra, o que me levou a cogitar se a luz não seria a sobrevivência revelada de alguém que se foi desta vida e que ora percorre o lugar com um lampião, para fiscalizar a obra. O que não cogito é que hoje a linha do trem jaz inútil, com seus milhares de metros de trilhos de ferro, seus dormentes roídos de cupins e seus pregos eternos. Talvez um dia ainda vá eu ao lugar, para registrar o fato, se puder testemunhá-lo, se ainda hoje percorrer a linha do trem a luz misteriosa da noite, impregnada da natureza fantástica das lendas e do fascínio singular do que é incomum neste mundo.
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