domingo, 30 de dezembro de 2007

Públio Lentulus

"Alma gêmea da minhalma
Flor de luz da minha vida
Sublime estrela caída
Das belezas da amplidão!...
Quando eu errava no mundo
Triste e só, no meu caminho,
Chegaste, devagarinho,
E encheste-me o coração.

Vinhas nas bênçãos dos deuses
Na divina claridade
Tecer-me a felicidade
Em sorrisos de esplendor!...
És meu tesouro infinito,
Juro-te eterna aliança,
Porque sou tua esperança,
Como és todo o meu amor!

Alma gêmea da minhalma,
Se eu te perder, algum dia,
Serei a escura agonia
Da saudade nos seus véus...
Se um dia me abandonares,
Luz terna dos meus amores,
Hei de esperar-te, entre as flores
Da claridade dos céus"

Saudade

O véu do espaço e do tempo eclipsa a visão do pretérito querido. O passado vive no presente, mas não se vislumbram, desnudados, os seus doces contornos... Tudo que se alcança são sensasões leves, mas substanciais, como se viessem propriamente do manancial de felicidade da vida. Os astros celestes se interpõe entre a luz e o degredo. Uma saudade indefinita, sem objetos precisos, comprime as fibras etéreas da alma, que desfia, na sucessão de sóis e luas, um rosário de nostalgia, indefinições e melancolia. Os espelhos, por vezes, afiguram-se estranhos no seu reflexo e me deixam detido e genuflexo. Então me ocorre que a essência da verdade não está na face fria, imediata e polida dos espelhos. A verdade só se alcança com um exercício profundo de abstração, que requer séculos de lágrimas, dores, testemunhos, sacrifícios, renúncias, enfim, provas e espiações que compõe o aprendizado da alma eterna em evolução. E na esteira desse caminho, é preciso mirar, do mundo transitório, o mundo maior, bem como a sua causa primeira, seguindo, com alta fé, na redentora travessia das portas estreitas da existência. Depois do crepúsculo da vida, anseio encontrar com a fonte que me inspira essa saudade misteriosa.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Piedade

Outro dia minha filhinha de cinco anos viu vários bodes amarrados no chão, colocados juntos um do outro. Eles berravam sem parar, passando às almas mais sensíveis a impressão de que faziam um apelo diante daquela situação humilhante em que se encontravam. Tanta foi a comoção da minha pequena rebenta com aquela situação - que se afigurava penosa aos seus ingênuos olhos - que ela disparou a chorar, piedosa e convulsivamente. Eis aí um gesto puro de amor à criação divina: vindo de uma criança e relativamente a um ser diferente de sua espécie. Devassando os escaninhos de minha memória, acode-me à lembrança a minha postura diante dos animais que eram sacrificados em casa de meus pais, nos venturosos dias de minha infância, para o deleite dos paladares domésticos. Não raras vezes escondia facas, esperneava, protestava, para que não navalhassem o pescoço depenado das galinhas. E como último apelo, chorava, em vão. Não lembro de ter demovido uma única vez minha mãe de tais intentos, mais eu atrapalhava a morte desses animais, dando-lhes uma pequena sobrevida. Eu e minha filha, por óbvio, somos pessoas diferentes. Todavia, há inúmeros pontos de intersecção entre nossos caracteres afins. Um deles é o sentimento que temos pelos animais. Talvez o que ela sinta hoje, diante de qualquer ameaça a um animalzinho, seja parecido com o que eu sentia outrora: piedade profunda. Quem sabe ela será admiradora do Poverello de Assis, assim como eu, e talvez oculte objetos cortantes e vá até mais longe, sendo vegetariana, uma vez que os filhos, em tese, devem ser melhores que os pais, assim como "o bom discípulo é aquele que supera seu mestre".

Arte do diálogo.


É uma arte essa a do diálogo. Face a face. Olhos no olhos. Assim os interlocutores se postam. Uns perdem tempo com futilidades, daí as fofocas. Outros se sentam para tratar assuntos de alta relevância, como o destino de nações, de vidas ou da economia. Tudo é diálogo. Há até o diálogo consigo mesmo: um monólogo silencioso, a alma diante do espelho implacável da consciência. Alguns usam as palavras como as roupas: deixam-nas ganhar o ar e os ouvidos próximos livremente, como deixam cair suas vestes sobre o corpo. Manda a prudência que assim seja apenas entre amigos. As outras ocasiões requerem a formalidade cordial e polida. Em todo caso, quando se abre o diálogo, nossa discrição fica imediatamente posta à prova. Os que conseguem conter os ímpetos da língua, dormem mais tranquilos do que aqueles que, de senhores, passam a escravos das palavras que não conseguiram represar, atendendo ao extravasamento inconsequente de sentimentos ignóbeis. Não se reconhece outra melhor e mais eficaz maneira de se solucionar lides que não seja essa a do diálogo. Ainda quando um dos contendores não mostra disposição, continua sendo a melhor saída, exigindo-se mais, em tais casos, da parte do que se vê disposto, que maior empenho deve empregar na arte do diálogo. Dialogasse-se mais, desde o núcleo familiar até os encontros diplomáticos mundiais e teríamos um mundo melhor, pois o diálogo, inegavelmente, assenta as bases de entendimento, fortalecendo a lucidez e permitndo que se veja claramente a solução das querelas, antes obscurecidas pelo véu da dúvida e das incertezas. É preciso saber triunfar com a sabedoria das palavras: eis a arte do diálogo.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

"Aos quinze anos, tudo é infinito" - Machado de Assis

Eis uma afirmação tão verdadeira quanto contundente, que até merece ser laureada com o título de aforismo. Os hormônios exercem um imperativo profundo sobre o psiquismo dos indivíduos, sobretudo na adolescência. Mais amainado e um pouco mais lúcido, hoje percebo claramente a influência que esses tiranos tiveram em alguns desatinos de minha juventude. Nos casos mais graves, que as vezes testemunho, não posso aduzir outra coisa senão que muitos adolescentes são "hormônios com pernas".

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Diferença


Em que uma pessoa açodada difere de um espelho?

Simples.

Um espelho reflete sem falar.

Uma pessoa açodada fala sem refletir.

Vencedor

Não que o triunfo jamais prescinda da sorte: não raras vezes, esta é um componente fundamental para a concretização daquele. Todavia, é muito frequente que o triunfo seja laureado pela força de vontade,por sacrifícios, pela perseverança e pela capacidade de se levantar depois das quedas e recomeçar. Uma das tomadas da Sétima Arte que bem ilustram esse entendimento, é a que se encontra logo abaixo: inesquecível e sempre motivadora!

Lágrima


Uma lágrima solitária, desliza tão pequena no latifúndio de um rosto. Parece que ela leva um cristal rutilante (seria a esperança?), no seu volume que se esvai cada vez mais enquanto rola, deixando a sua substância num rastro que navalha o seio da face. Rebenta do sentimento, triste flor do imo da alma, quão profunda e rasa é a lágrima, que condensa, na sua frágil estrutura e fugaz existência, as impressões mais sentidas do ser. Dor e tristeza, gozo e alegria, a lágrima comporta as antíteses da vida, como expressão sublimada do extremos. A lágrima é pura, mesmo quando filha do amálgama dos sentimentos e é uma das formas mais intensas de comunicação, quando o silêncio se faz um imperativo às vozes do coração.

Comentário

As horas passam, cada instante é único...Entretanto, os minutos sempre são outros, se renovam e abrem a possibilidade de encetarmos aquilo que era para ser e que ainda não foi porque, muitas vezes, somos inermes quanto às ações, não damos braços e pernas aos nossos pensamentos, isto é,não damos azo as conjeturas montadas na órbita de nossa mente.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Pessoas (de um jeito ou de outro) emblemáticas.

Uma das personalidades mais polêmicas do ano que ora se finda, a meu ver, foi o Padre Pinto. Com suas contundentes perfomances artíscas de dança, singulares expressões de sincretismo religioso no altar da Igreja soteropolitana da Lapinha, ele conquistou a simpatia de alguns sectários do catolicismo e a oposição ferrenha de outros. Uma personalidade controvertida, que virou notícia nacional. Alguém sabe por onde anda?


domingo, 16 de dezembro de 2007

Índia, Brasil e Religião.

Certa feita entabulava conversa com um amigo economista, a qual versava sobre a violência no Brasil. Ele me disse algo interessante. Índia e Brasil são países que tem alguns aspectos em comum: ambos são economicamente emergentes e despontam como economias promissoras. Todavia, ainda enfrentam graves problemas sociais, como a pobreza/miséria de grande parcela de suas populações. Mas na Índia os índices de violência são menores do que no Brasil. E ele me informou que sociólogos creditam essa diferença positiva em favor da nação oriental à influência direta e marcante da religião na vida das pessoas. Nesse aspecto, as tradições religiosas do Brasil e da Índia são completamente diversas. Isso me abriu o campo das reflexões sobre o papel social da religião lá e cá na tarefa de construção de uma sociedade melhor, leia-se, mais pacífica. No país das castas sociais, goza a religião de um papel central na vida dos indivíduos sendo, pois, um componente basilar. A cá, um componente secundário, ou terciário ou, assim sucessivamente, como queira o leitor arguto ajuizar. Uma sensação me ficou: a de que a Índia está ganhando do Brasil.

Chiquinha

Não raras vezes adoço o meu dia com as risadas provocadas por lances hilários do Programa do Chaves. Minha esposa detesta o Chaves. A cada vez que ligo a TV para assistí-lo na companhia de nossa pequerrucha, só ouço os rumores de seus resmungos que são proferidos do cômodo da casa aonde ela se encontre: "Começou a tortura!", "Vixe!" e outras expressões sempre acompanhadas de interjeições são comuns de sua parte. Ela também não suporta o Hugo Chávez(s), o Presidente (ou ditador-ainda-não-consumado) da Venezuela. Indagada sobre o porquê dessa ojeriza aos "Chaves", ela retorquiu dizendo que este é um falastrão, um perseguidor...sobre o outro, o do programa de humor, ela disse que não vai com a cara dele porque ficou sabendo que o ator que faz o Chaves, na vida real, não é boa pessoa. Minha esposa confunde o menino Chaves com o Roberto Bolaños, mistura ficção com realidade. Entendo que seja uma forma de protesto contra a personalidade do executivo da Televisa. Ela não sabe - ou não quer - separar o Chaves do Bolaños. Por minha vez, eu já consigo fazer isso. Já ouvi denúncias sobre a ganância do Bolaños, mas isso não interferiu na audi~encia que vez por outra consagro ao programa. Quando assisto ao Chaves, vejo o Chaves e não o Bolaños. Chaves é Chaves. Bolaños é Bolaños. Dito isto, passo ao assunto mote do título, agradecendo a já costumeira paciência do leitor. Aula do professor-fumante Girafales. Tema: primeiros socorros. O mestre inquire da Chiquinha porque devemos, ao identificar uma pessoa infartando, colocá-la deitada. A levada filha do Madruga dispara:
- Para que vá logo se acostumando ao caixão, professor.

O culto da calma

A calma é um dos atributos da alma humana do qual aqueles que semeiam a paz não podem prescindir. No torvelinho das agitações mundanas, em que estamos sujeitos à recepção de problemas de vária ordem, a calma representa um componente fundamental na estruturação do equilíbrio emocional adequado que a pessoa deve ostentar para estabelecer um roteiro seguro de resolução das lides que se apresentam. Quando recebemos o problema com calma desde o seu início, sem nos perturbarmos com o que quer que seja, recrudesce a possibilidade de o solucionarmos exitosamente. A calma desarma os desajustados, é a luz que guia os passos num caminho acidentado, é o alicerce do equilíbrio moral que devemos ter diante das ignomínias. Quantos não se arrependem por não terem empregado os recursos dessa jóia do comportamento humano em lances onde o seu brilho se faz necessário? Quantas palavras destruidoras poderiam não ter sido ditas se a calma houvesse sido empregada? E nesse particular, importar reconhecer que nós somos, a cada tempo, senhores e escravos delas: senhores, antes de pronunciá-las; escravos, depois que as silabamos. Todavia, o cultivo da calma no jardim do nosso coração requer muito a concentração e o emprego da nossa vontade. O campo das experiências humanas frequentemente nos oferta as possibilidades de emprego desse bem espiritual afim que possamos trabalhá-lo em nossa alma, aperfeiçoando-a e, assim, embelezando o nosso caráter. Com a calma, nos tornamos o referencial de apoio para os que nos rodeiam, colaborando para os serviços da paz no mundo. Portanto, que tu recebas a tudo com calma e não esqueças de suportar a tudo com a devida paciência.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Luz na linha

Não saberia explicar, até mesmo porque nunca vi e, se a visse, ainda assim grande seria a possibilidade de não explicar. Apesar de que um dia, ainda criança, afoitado, debandei, no crepúsculo, a linha do trem, que navalhava, de uma ponta à outra, as terras do meu avô materno. Fiquei até um pouco depois do anoitecer e regressei à casa de vovô cabisbaixo de medo, com os olhos enfiados no chão e nos pés. Ainda era deveras cedo. Num horário como aquele, a luz ainda não houvera partido para percorrer, misteriosa, o mesmo leito do trem. As pessoas do lugar é que propalavam essa informação: a de que todas as noites, a partir de um determinado horário, uma estranha luz, supensa no ar, em forma de bola, acompanhava lentamente a linha férrea. Eu queria ter visto a luz da linha, mas não sabia que, criança, não tinha coragem pra isso. Teria a graça de uma borboleta bailando no ar? Qual seria sua verdadeira dimensão? Como era afinal de contas essa tal "luz" que eu perseguia com a imaginação, mas que se afastava de mim a cada nova interrogação sobre a sua natureza? Até hoje o mistério está posto, palpitando em mim. Do terreiro frontal de suas casas - casas antigas da RFFSA, hoje inexistentes - a gente do lugar suspendia as conversas regadas à café para assistir à passagem dela, uma passagem que me disseram lenta e impertubável, até que se perdia das vistas no horizonte. Vez certa disseram que quando alguém demandava a sua mesma direção, só que em sentido contrário, quando perpassavam a luz, nada viam, simplesmente a atravessavam e, quando voltavam o olhar para trás, lá ia ela, flutuando graciosamente no ar, seguindo seu destino tão ignorado quanto sua origem. Noticiou-se que à epoca da construção da ferrovia, muitos operários perdereram a vida na obra, o que me levou a cogitar se a luz não seria a sobrevivência revelada de alguém que se foi desta vida e que ora percorre o lugar com um lampião, para fiscalizar a obra. O que não cogito é que hoje a linha do trem jaz inútil, com seus milhares de metros de trilhos de ferro, seus dormentes roídos de cupins e seus pregos eternos. Talvez um dia ainda vá eu ao lugar, para registrar o fato, se puder testemunhá-lo, se ainda hoje percorrer a linha do trem a luz misteriosa da noite, impregnada da natureza fantástica das lendas e do fascínio singular do que é incomum neste mundo.

domingo, 9 de dezembro de 2007

Bandido: o injustiçado social...

Ou muito me engano ou, em nosso país tropical, salpicado de belas paisagens cortadas por balas perdidas, com terras manchadas do rubro sangue dos inocentes, adornadas por fontes jorrantes de lágrimas de dor, eles, os bandidos, ou marginais, ou desviados sociais, ou foras-da-lei ou meliantes, ou como queira a vossa sapiência a melhor designação, são vistos, por certas autoridades da "esquerda" brasileira, ora no poder, como "injustiçados sociais". Observai quanto perigo há condensado nessa consideração que move silenciosamente, em fenômeno que mais se assemelha a uma hipnose, as ações envidadas por alguns agentes publicos das três esferas de poder, relativas à medidas de repressão à violência nas terras "descobertas" por Cabral. A lógica cartesiana explica o caso, dentro das proposições doravante elencadas. O bandido é um injustiçado social. A injustiça social é culpa do Estado. Logo, o Estado é quem "força" o bandido à criminalidade e, como tem autoconsciência de suas falhas, quer abrandar o seu erro não punindo os criminosos à moda ianque, que só não é exemplar na pena de morte. E as vítimas das condutas penalmente tipificadas: caluniadas, furtadas, espoliadas, roubadas, sequestradas, estupradas, mortas etc...? O Estado-Humano, parido pela Ditadura Militar - que morreu no parto - não faz o reconhecimento positivo delas. Ai de todas, que um dia pode ser o nosso ai. Muitos que fazem a Justiça cega, também a fazem muda e surda e lenta: a sensação que temos é que as vezes se faz justa, mas raras vezes. Leis penais e processuais penais que já pedem aposento, de tão senis e incompatíveis que estão com a realidade desses novos tempos: ah, os criminosos galhofam da Polícia, da Justiça e do Ministério Público, se escondendo num labirinto de recursos e outras regalias legais, que os fazem "intocáveis", "invioláveis", "inocentes" até que a setença os separe da vida reta e proba. E as polícias estaduais, ostensivas e judiciárias: seus agentes/soldados, na grande maioria das unidades federadas, não têm aparelhamento adequado para operacionalizar o combate ao crime e não recebem treinamento qualificatório nem um salário digno para oferecerem, cotidiariamente, sua cara à tapa da morte. Por essas e outras e muitas outras, é que muita coisa precisa mudar nessa terra tupiniquim, para garantir índices toleráveis de violência, já que essa mesma, é própria da espécie humana e só chegará a termo se ela entrar em extinção. Ouvimos promessas, cantilenas e nada muda, o pesadelo é o mesmo, todos os dias, basta ligar a TV. Até quando?