Seu trabalho é tão silencioso quanto pesado. É o bicho mais conformado que Noé salvou do Dilúvio: não obstante as severas vergastadas que recebe - muitas das quais gratuitamente, apenas por costume do condutor - ele vai em frente, ao sabor do que lhe ordenam as cochas. Não galopa, nem trota: isso é apenas para quadrúpedes libertos, de luxo. O burro não: a maior parte de sua vida jaz servindo ao homem, algemado em uma carroça, preso pelo dorso, transportando tudo o que ela pode comportar. Geralmente não pensam no burro quando vão abarrotar uma delas com entulho: é como se ele fosse sempre forte demais para suportar todo e tanto peso nas costas. Carroças em si já são pesadas, imagine quando carregadas com areia...O burro trabalha o dia todo. Sua recompensa: desvencilhar-se da carroça no final da tarde, beber água e comer capim seco em alguma esquina durante a noite fria. Sobra pouco tempo pra descanso. Mal ráia o sol e ele já veste de novo sua pesada roupa: nesse intante, a carroça é a extensão de seu corpo: o burro e ela são um só. Com carga nas costas, sob o sol, entre o frêmito das buzinas na rua, da esquerda para a direita, de um bairro a outro, ladeira abaixo e acima, vai o burro maltratado, vilipendiado, mas sempre servindo o homem em busca de sustento. Ao contrário do que se pode pensar, são poucos desses animais que empacam e não há injustiça nisso, que irrita o cocheiro urbano e os monstros de metal. Há muito tempo os quadrúpedes servem ao homem, nas regiões e condições mais inóspitas. Desde Jericó aos dias de hoje, levando pequeninos, mulheres, homens, velhinhos e tonéis d'água em seu lombo dolorido. O burro merece reverência, assim como seus parentes mais próximos, como o jumento, a mula, o cavalo, todos também usados em carroças e igualmente submetidos à tortura animal. Quanto a isso, se os diplomas legais fossem seguidos à risca e não riscados como são em nossa nação, muita gente estaria respondendo a processo judicial e condenada.
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