E a noite já tinha aberto suas portas, desnudando uma profunda escuridão ponteada de estrelas lívidas sobre nós. Escapada do norte, uma brisa brincava com as folhas das árvores. Não me assoma à lembrança a imagem da lua... Talvez ela estivesse minguada na imensidão celeste, naquela noite fresca. As pessoas passeavam suas vidas pela pracinha. Algumas, em pé, trocavam a vida em palavras; outras, sentadas, pareciam contemplar sem querer o infinito, como uma forma de se submeterem, silentes, à passagem inexorável do tempo. Naquela pracinha, onde o verde festejava nos canteiros e as flores sorriam espargindo em generosa doação os seus perfumes, as luzes dos postes deitavam suas mansas claridades sobre as pessoas. Um jovem, uma criança e uma senhora (que já havia vivido mais que todos ali as alegrias e os destemperos que o destino outorgara) figuravam suas presenças num dos banquinhos de pedra da pracinha. As palavras iam e vinham entre eles, levando temas que o tempo já furtou da lembrança, enquanto o vigia do lugar parecia descansar mais que todos nós. Ali se amalgamavam três idades diferentes, três fontes de anseios, dúvidas, sonhos e esperanças diferentes, três universos que se juntavam por liames de afeto mútuo. Talvez, enquanto estivessem ali, o destino, alhures, tantas vezes caprichoso, tecia, engenhoso, alguns lances vindouros de suas vidas, os quais jamais poderiam supor com precisão. Por que estavam ali? O que faziam ali? Onde estariam amanhã ou uma década depois? Naquele momento, esses questionamentos – a nutrição basilar de plurais correntes filosóficas, por todos os tempos – não importavam para eles e nem sequer tangenciavam o corpo abstrato de suas mentes. Simplesmente absorviam o presente, enxergando e vivendo apenas os seus aspectos comuns, como o faziam todos os que ali se achavam. Na verdade, hoje sei que aquelas três vidas estavam alheias ao fato de que aquela pracinha, naquela noite, bonita e inolvidável, compunha um dos espaços da caverna em que vivemos todos.
02.12.2009
02.12.2009